The New York Times, 12 de outubro de 2010
Start-ups do setor de energia solar instaladas no Vale do Silício que apostaram em novas tecnologias para a produção de painéis solares enfrentam agora a concorrência dos painéis convencionais fabricados na China. A combinação de queda no preço do silício com o crédito subsidiado pelo governo da China e os ganhos de escala das fábricas do país rebaixou os preços dos painéis convencionais, o que não era esperado em tempo curto pelas empresas californianas e agora impõe a elas a adoção de estratégias especiais para enfrentar a concorrência. É disso que trata o jornalista Todd Woody, do New York Times, na reportagem "Silicon Valley’s Solar Innovators Retool to Catch Up to China" (Inovadores de energia solar do Vale do Silício se reorganizam para alcançar a China).
De 2009 para 2010, escreve Woody, a pressão dos produtos asiáticos derrubou os preços dos módulos solares em 40%. Um estudo da empresa de consultoria e pesquisa Bloomberg New Energy Finance citado pelo jornal revela que 40% do mercado de painéis solares da Califórnia, o principal dos Estados Unidos, e a maior parte do mercado europeu são agora dominados por fabricantes da China.
Com isso, ocuparam o mercado que empresas do Vale do Silicio — o jornal cita as start-ups Solyndra e MiaSolé — pensavam ocupar, com células fotovoltaicas inovadoras, feitas a partir de disseleneto de cobre, gálio e índio, ou CIGS, na sigla em inglês. Filmes finos feitos com esse material, que converte energia solar em energia elétrica, podem ser aplicados sobre vidro ou materiais flexíveis, o que permitiria a fabricação de painéis solares mais baratos. Essa tecnologia vem sendo desenvolvida nos últimos anos, com investimento do governo dos EUA e de capitalistas de risco, conta o jornalista; agora, quando finalmente as empresas chegaram ao ponto de fabricar os painéis de CIGS em escala industrial, "a economia do setor se transformou", na explicação do jornal, em razão do avanço chinês.
Apoio do governo e custos reduzidos
A ofensiva asiática consiste em uma fórmula composta por: fortes subsídios do governo, escala de produção, empréstimos a juros baixos, mão-de-obra barata e terras a baixo custo, enumera o jornal. Os fabricantes chineses ajudaram a derrubar os preços dos painéis convencionais e conquistaram sua fatia de mercado "muito mais rápido do que se previa", conclui Woody. E as firmas dos EUA viram seu entusiasmo dar lugar a uma reorganização de estratégias em busca de nichos diferenciados.
O jornalista relata o caso da Solyndra, que inaugurou em setembro a fábrica de painéis de CIGS, em que investiu US$ 733 milhões (R$ 1,2 bilhão). A empresa, por causa dos preços das concorrentes chinesas, já se vê obrigada a tentar diminuir seus custos de produção. O New York Times destaca que a Solyndra obteve um empréstimo de US$ 535 milhões (R$ 886 milhões) do governo federal para montar sua nova fábrica robotizada; para enfrentar a concorrência, a Solyndra iniciou a operação da linha de montagem dois meses antes do previsto e já fez um forte investimento em marketing para convencer os clientes de que seus painéis, agora mais caros do que os convencionais, têm uma relação mais positiva de custo-benefício quando computados os gastos com instalação. Ben Bierman, vice-presidente da Solyndra para as áreas de operações e engenharia, declarou ao jornal que a concorrência externa tem pressionado a empresa a reduzir preços "o mais rápido possível" por meio da ampliação do volume de produção.
Menos capital de risco à disposição
Uma das consequências desse movimento, aponta o repórter, é o crescente temor dos investidores em destinar grandes somas para essas start-ups abaladas pelo rápido avanço chinês; mesmo assim, essas start-ups ainda recebem "centenas de milhões de dólares em pedidos de clientes e algumas planejam expandir a fabricação local". Com base em dados da Cleantech Croup, empresa de pesquisa de São Francisco, a reportagem informa que o investimento de capital de risco em empresas de energia solar caiu de US$ 451 milhões (R$ 747 milhões) para US$ 144 milhões (R$ 238 milhões) entre o terceiro trimestre de 2009 e o mesmo período de 2010.
Barreira tecnológica
Segundo o NYT, a produção em larga escala de CIGS se mostrou um "enorme desafio tecnológico", que requereu o desenvolvimento de equipamentos de produção especializados. Enquanto as companhias norte-americanas resolviam os problemas do processo de fabricação do novo material, os preços do silício caíram — o que beneficiou ainda mais as empresas chinesas — como JA Solar, Suntech e Yingli Green Energy. Elas ampliaram sua capacidade de produção de painéis convencionais com o apoio de dezenas de bilhões de dólares de créditos do governo, detalha Woody.
Joseph Laia, presidente da MiaSolé, lamentou ao NYT a velocidade com que o mercado de energia solar mudou e revelou que sua empresa teve que dedicar tempo e energia, um ano ou dois antes do previsto, para a questão dos custos de produção. Em entrevista por e-mail ao jornal norte-americano, Arno Harris, presidente da empresa Recurrent Energy, de São Francisco, relatou a opção de seu grupo — recém adquirido pela Sharp — de firmar um acordo de fornecimento com a chinesa Yingli em razão dos baixos preços da asiática, além da oferta de produtos de qualidade e financiamento.
Taxas de crescimento elevadas
Woody reporta informações oferecidas a ele pela JA Solar. Segundo um de seus executivos, que falou da China por telefone, a empresa tem crescido ano a ano, dobrando seus lucros e quase multiplicando por dois sua capacidade de produção. Fang Peng, o presidente da firma, disse ao repórter que a capacidade da JA Solar chegará a 1,8 gigawatts no final de 2010; entre o início e o fim deste ano, o grupo cresceu de 4.000 empregados para mais de 11 mil. Para comparação, diz o jornal, a Solyndra deve alcançar uma produção de apenas 300 megawatts até dezembro de 2011.
Entre essas novas estratégias adotadas pelas empresas do setor no Vale do Silício, destaca o NYT, está uma ação da AQT Solar, que desenvolveu uma tecnologia patenteada para fabricar celulas CIGS a partir de modificações em equipamento até então usado para produção em série de discos rígidos. Já a Sunnyvale, informa a reportagem, que conseguiu levantar US$ 15 milhões (R$ 24,8 milhões) com investidores, teve que cortar custos limitando a produção apenas a células fotovoltaicas; com isso, o trabalho de montagem dos painéis solares passou para os clientes que compram seus produtos.
Se não pode vencê-los, junte-se a eles
Outra start-up, a Innovalight, optou por licenciar para os chineses uma tecnologia chamada de "tinta de silício", que aumenta a eficiência das células fotovoltaicas, em vez de construir suas próprias fábricas e disputar mercado com os asiáticos. "Como você luta contra enormes subsídios, empréstimos a juros baixos, mão-de-obra barata, escala e uma estratégia de governo para fazer de você a número um em energia solar?", questionou Conrad Burke, presidente da Innovalight em entrevista ao periódico nova-iorquino. "A inovação será o coração da estratégia dos EUA", disse, considerando que a sua opção não é a ideal, mas sim a possível. "Nós estamos exportando tecnologia protegida para a China e criando empregos bem remunerados aqui", contemporizou Burke.
Mesmo quando ações tentam incentivar a inovação norte-americana com uma espécie de reserva de mercado — como uma adotada pela rede varejista Wal-Mart em setembro —, o espaço dos produtos chineses continua garantido. Segundo o New York Times, o Wal-Mart assinou um acordo com uma empresa do Vale do Silício que instala painéis solares, chamada SolarCity, para colocar equipamentos com capacidade de produção de 15 megawatts em suas megastores; essa estratégia faz parte da política de sustentabilidade da empresa e inclui a exigência de uma "percentagem significativa" de filmes finos de células fotoelétricas, como os produzidos pela MiaSolé. No entanto, Woddy destaca que, entre o grande número de painéis convencionais que será colocado nas lojas, "praticamente todos serão produzidos na China". (G.G.)
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